25.6.04

 

Considerações Sobre «O Apagão Eléctrico» Americano de 14-08-2003

Num período de acentuado pessimismo nacional, como o que actualmente se vive, o recente apagão eléctrico de partes dos EUA e Canadá veio propositadamente demonstrar que, em Portugal, não temos razão para – sistematicamente - nos acabrunharmos com as comparações internacionais, pelo menos no que respeita à prevenção e resposta aos famigerados apagões, já que, no que se refere à iliteracia, os resultados são de facto preocupantes.

Se compararmos, todavia, mesmo que em escala proporcionada, o tempo de reposição de serviço do nosso último grande apagão, ao sul de Rio Maior, de Maio de 2000 : pouco mais de 1 hora, com excepção de alguns – escassos – locais em que chegou às duas horas e picos, com o verificado nos EUA, em que muitas horas depois, nalguns sítios, dias, a normalização dos serviços ainda estava por atingir, a nossa posição relativa não aparece diminuída.

De um modo geral, nos comunicados oficiais americanos, nem aparecem referências precisas ao tempo de reposição de serviço, tal é o escândalo da sua expressão. E, no entanto, aqui entre nós, há três anos, houve chacota geral na nossa Comunicação Social, que aproveitou, mais uma vez, para, de modo leviano, achincalhar a já debilitada auto-estima lusitana, contrapondo-nos irreflectidamente putativos paraísos eléctricos, só existentes na sua delirante imaginação.

À parte os nossos males reais, que nos cumpre quotidianamente combater, não devemos nunca autoflagelar-nos, carpindo a nossa imaginada condição de eternos probrezinhos, fatalmente condenados a fazer pior que os outros em quase tudo. Atentemos no que se passa noutros países, tecnicamente bem mais apetrechados, supostamente, mas onde também ocorrem estas desgraças, de que não se saem melhor.

E não será só da desregulação, porque antes desta já essas calamidades aconteciam, como nos apagões de 1965 e 1977, para evocar só os de maior amplitude. Esperava-se, no entanto, que a introdução de sistemas e automatismos cada vez mais « inteligentes » viesse minorar as consequências destas imprevistas anormalidades e, neste ponto, é que surge a grande decepção.

Nalguns documentos, vindos a público nos EUA, já se fazem apelos à Administração norte-americana para que fomente o interesse dos estudantes pelos cursos de Engenharia de Sistemas de Potência, para que não corram todos para as Telecomunicações, Electrónicas, Informáticas e Computadores, descurando o núcleo central do saber das Empresas de Electricidade, que assenta nas matérias mais clássicas da Electrotecnia : Análise de Redes, Sistemas de Protecção, Controlo de Sistemas de Energia, Estabilidade das Redes, Tecnologia de Materiais, Técnicas de Alta Tensão, etc., etc..., sem neglicenciar, evidentemente, as disciplinas mais modernas.

O que não se deve é inverter as prioridades. Não é preciso ser-se uma Empresa muito grande para que as tarefas típicas da sua actividade principal sejam bem executadas, contanto que haja núcleos de saber especializado, devidamente valorizados, encorajados e progressivamente robustecidos.

A ideia - modernamente prevalecente - de que, nas Empresas, se for preciso ter mais conhecimento nalguma matéria específica, ainda que do seu núcleo principal, se recorre aos especialistas exteriores - outsourcing - das universidades ou das consultoras, a prazo, e se tal se tornar prática comum, conduz ao inexorável empobrecimento das Empresas, ao seu progressivo esvaziamento técnico, ao mero papel de agulheiros/sinaleiros dos fluxos de saber, cada vez com menos capacidade crítica para tomarem as opções mais adequadas.

Outros, chamados consultores ou conselheiros científicos, as tomarão em seu lugar e as apresentarão como neutras ou isentas de interesses espúrios, tirando partido da ingenuidade ou da aparente comodidade dos responsáveis das empresas que requerem esses serviços de inquestionada " expertise ".

Até a dita economia de recursos que esta solução parece conter, porque aparentemente dispensa as empresas de constituir encargos fixos permanentes com a contratação de especialistas, acabará por se tornar ilusória, dado que a sua utilização sistemática, se revelará cada vez mais onerosa, agravando a dependência das Empresas relativamente aos diferentes consultores repetidamente solicitados.

Onde se encontra matéria de interesse particular para nós, é nos comunicados difundidos na Comunicação Social pela National Grid, a propósito do apagão de Londres do fim de Agosto, disponíveis na Internet.

Esse interesse reside na forma como os ingleses lidaram com o caso na Comunicação, demostrando um extremo cuidado informativo, mesmo cirúrgico, na revelação do facto perante o público.

É deveras assinalável a concisão das declarações e a sua preocupação de objectividade, tudo feito com grande economia de meios, num verdadeiro modelo de parcimónia informativa.

É imediatamente perceptível a sua intenção em desfazer ab initio qualquer tipo de analogia com o caso americano. A National Grid aproveitou mesmo o ensejo para enaltecer o esforço bem sucedido dos seus profissionais para limitar a área afectada pelo incidente, não deixando de destacar a «prontidão» da reposição do serviço, relativamente rápida para a potência em jogo, estabelecendo o contraste com o sucedido com o apagão dos EUA.

Debilidades, mais do que evidentes, da rede americana, que, em poucos anos, depois da «surpresa» dos cortes programados de energia eléctrica na Califórnia, volta a dar que falar, pelos mais indesejados motivos.

A simples e velha Electrotecnia das leis de Ohm, Kirchhoof e dos fluxos de potência prevaleceu novamente sobre a rapidez e a precisão dos sistemas informáticos.

Há que retirar as necessárias ilações destes acontecimentos.


António Viriato , Lisboa 15 de Setembro de 2003

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MIBEL : Oportuna Reflexão

Transcrevo abaixo o artigo do Prof. João Santana, nosso velho conhecido das lides académicas do IST, onde foi até meu professor, sendo hoje uma pessoa com alta responsabilidade no Sector Eléctrico Nacional, visto que ocupa um lugar de destaque na Administração da ERSE.

Por conseguinte, trata-se de pessoa conhecedora e autorizada para tomar posição em assuntos da energia eléctrica, gozando à partida de aceitação e credibilidade naturais.

Sabemos como estas condições favoráveis ajudam a afirmar certas ideias ou pontos de vista, que, de outra forma, se revelam muito difíceis de inculcar.

Um dos pontos interessantes deste seu artigo vem relembrar a questão da garantia do fornecimento de energia eléctrica, que, para os mais optimistas, seria caso a priori resolvido, dada a «infinita extensão» das redes, ultimamente degradadas em fios, que se estendem por toda a parte, no caso vertente, desde a «ocidental praia lusitana» até aos confins da Europa, pelo menos, até aos Urais, se a Rússia não estiver interligada com a China.

Pelo meio, no entanto, há uns quantos caturras que insistem em falar de estrangulamentos provocados pela diminuta capacidade de transporte das interligações entre as outrora redes nacionais, dificultando, assim, as transferências de potência disponível de uns sítios, dela abundantes, para outros, dela carecidos ou deficitários.

Por esta terrivelmente simples razão, há muitos anos que nós outros, Portugueses, não podemos beneficiar em pleno da energia barata que a França estaria em condições de fornecer em quantidades generosas.

Já agora, caberia inquirir por que diabo a França dispõe de uma situação tão folgada, em matéria de energia eléctrica, ao ponto de alguns a designarem como verdadeira «vaca leiteira eléctrica» da Europa.

Será que os electrões se entendem melhor no idioma francês, ao contrário do que a maioria das gentes supõe, atribuindo ao inglês a especial vocação de lingua franca, para geral uso planetário, da idade pós-moderna ?

Deixemos a pergunta como exercício reflexivo apropriado a este tema.

Como já aqui neste fórum se tem lido, em diversas contribuições, a tão propalada benfazeja liberalização/desregulação do sector eléctrico começa a causar alguns amargos de boca a muito boa gente, incluindo aqueles que, inicialmente, lhe haviam facultado o benefício da dúvida.

Mas a madre experiência, sempre ela, acaba por apurar a razão e desde, pelo menos, há 4 anos, que os sinais de alarme não param de soar.

Desde a opulenta Califórnia, onde supostamente abunda a nata da Gestão, que exporta saber para todo o Mundo, que com ela faz «benchmarking» ou, se preferirem, em vernáculo, emulação competitiva, até aos normalmente prudentes, frios e racionais nórdicos, passando pelos engenhosos e práticos britânicos e pelos imaginosos e criativos italianos, todos eles já passaram por desagradáveis surpresas, vendo-se subitamente às escuras, por motivos triviais, que estão connosco desde os primórdios das redes.

A propósito destes momentosos casos, acrescento também, a seguir, como sugestão de discussão, um outro apontamento meu suscitado pelo apagão italiano.

Parece que ninguém, a seu tempo, curou dos aspectos físicos, técnicos, científicos, que, teimosamente, resistem aos excessos das fantasias dos Gurus da Gestão, que, frequentemente, vendem gato por lebre, no afã de produzirem brilharetes, em pouco tempo, com grandes resultados financeiros, outras vezes nem isso, ainda que venham a comprometer seriamente o futuro das Empresas em que temporariamente imperam, o qual, desgraçadamente, nessas Empresas, já não se fará com eles.

Entretanto, estas presumidas sumidades, ficam ricas e mudam de ramo.

Lembremo-nos também que o fornecimento de energia eléctrico nunca será um mero negócio, como outro qualquer, visto que ele comporta uma vertente de serviço público manifesto, de suporte social generalizado, sem a qual vertente quase nenhum outro negócio pode sequer sustentar-se.

Contabilizem-se com rigor e avaliem-se na sua completa dimensão os custos directos e indirectos dos apagões e dos cortes eléctricos forçados e veja-se se compensa alguma economia criada em momentos de inconsiderada confiança.

Dê-se o devido relevo ao factor segurança na condução e exploração das redes, planeie-se com recursos próprios, de preferência, ou com alheios, sob o nosso controlo, o crescimento do parque de centrais, de modo a não se cair em situações de défice de geração perigoso, como aconteceu com a Califórnia e com a Itália.

Apoie-se e reforce-se o conhecimento técnico existente no domínio da energia, das correntes fortes e da análise de redes em geral, se não se quiser amanhã passar por situações lamentáveis de desorganização e retrocesso social.

Atente-se nos casos dos apagões americano e londrino de Agosto passado, de onde não estão ausentes graves deficiências técnicas. Não se empole o papel da gestão, em detrimento do da engenharia, porque é no equilíbrio dos dois saberes que reside o progresso.

Por último, pondere-se bem que, sem engenharia, não há sequer onde exercer a gestão.

Para além das considerações gerais aqui exaradas, convém meditar, enquanto é tempo, nas verdadeiras vantagens que tiraremos de um Mercado Ibérico de Electricidade, sobretudo quando nele nos querem fazer entrar a toda a brida, como se ali nos esperasse o Eldorado da Energia.

Não é nada prudente trocar o certo pelo incerto, num ambiente de euforia não pensante.

Os cenários que se desenham com franco optimismo são de grande complexidade, neles existindo demasiadas variáveis que rapidamente deixaremos de controlar e de onde pode não haver regresso saudável.

Finalmente, acresce que, com os nossos amigos espanhóis, todo o cuidado é pouco.

Falam-nos à consciência vários séculos de história, com algum passivo averbado, como também se lembrou aqui a propósito do contencioso de Olivença, cujo desrespeito pela verdade e pela justiça, da parte dos nossos putativos irmãos, constitui um autêntico espinho cravado na consciência histórica de qualquer português que não esqueça o seu património.


Lisboa, 29 de Outubro de 2003

António Viriato


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APAGÕES ELÉCTRICOS
AV – 01-10-2003

O recente apagão italiano, depois da surpresa do americano, do londrino e do nórdico, no espaço de um mês, começa a inquietar-nos e a levantar-nos muitas reservas ao bem fundado das profundas reestruturações ocorridas no sector da energia na última década.

Como é possível que na madrugada de Domingo, em pleno período de vazio do diagrama de cargas, fique todo um país às escuras, mais de 50 milhões de pessoas sem energia eléctrica, por causa de um disparo de uma linha de interligação da Itália com a Suíça, seguida da perda de outra, vinte minutos depois.

Já o apagão americano nos deixara boquiabertos e também começou com um simples disparo de uma linha de interligação entre redes de estados contíguos, coisas quase dos primórdios das redes : uma linha que dispara, outra que não suporta a sobrecarga e dispara também, e depois outra, e outra, até ao colapso total.

Na Itália foi assim outra vez : um disparo de uma linha junto aos Alpes arrasta consigo uma rede inteira de um país grandemente industrializado da UE.

Toda a bota italiana até à Sicília fica sem energia eléctrica.

Sabe-se agora que existe um défice de produção em Itália, que tem de importar, em permanência, 6000 MW, cerca de 17% da sua capacidade instalada (em condições operacionais) de um parque envelhecido de centrais, num país que, em 1987, decidiu ufanamente prescindir da opção nuclear, mas que não logrou construir centrais hídricas, térmicas clássicas ou outras a um ritmo adequado, compatível com o contínuo crescimento dos consumos, enredado em discussões infindas com os grupos ecologistas e em estudos intermináveis de impacte ambiental.

Vê-se, hoje já, que as generalizadas reestruturações empreendidas no sector eléctrico, ditadas pela pressão da liberalização dos mercados de energia, não trouxeram mais segurança na condução das redes. Ver-se-á também se trarão as prometidas baixas de preços do kWh.



Sem aprofundar o assunto, pode-se desde já formular as seguintes questões :

· A saída de 3000 MW, que era o valor da importação das duas linhas da Suíça, é suficiente para produzir o colapso total da rede de um país desenvolvido da UE ?
· Qual o critério dominante na escolha do esquema de exploração da rede efectuada pelo Gestor do Sistema ?
· Onde está a segurança dessa configuração de rede ?
· Onde está a reserva permanente de produção autóctone ?
· Por que nunca funcionam os diversos escalões dos planos de deslastre de cargas, regularmente aprovados pelos Despachos Nacionais ?
· Por que não funcionam as regulações de frequência e de tensão das centrais do sistema electroprodutor, em combinação com os sistemas de deslastre, para adaptarem a produção existente à nova situação de carga ?
· E o tempo de reposição de serviço, apesar de todos os automatismos, computadores e de toda a informática de apoio, por que é sempre tão elevado ?
· Por que não actuam em coordenação os vários centros de condução e de despacho regionais e nacional para abreviar a normalização do serviço ?
· Se actuam, por que são tão demorados em repor o serviço ?
· Onde estão os estudos, análises, simulações de contingências, etc., que deveriam habilitar os diversos agentes a lidar com maior eficácia com as situações de emergência ?
· Quem avalia, valoriza o factor de segurança na condução/exploração das redes ?
· Como se contabilizam os danos económicos, sociais e outros dos apagões ?
· Que diz o Regulador italiano ? Há excesso ou falta de liberalização no sector ?
· Que confiança nos merecem as «redes infinitas» ?
· E de que vale o excesso de produção de EE num país, sem capacidade de transporte suficiente nas linhas de interligação com outros onde ela escasseia ?
· E quando nem uma coisa nem outra existem ?
· Por que é a França hoje a «vaca leiteira eléctrica» da Europa ?
· Por que compra a EDF empresas de Electricidade na Europa e não abre o seu capital a grupos económicos estrangeiros ?
· Não estará ela subordinada à mesma Directiva da UE que os restantes parceiros ?
· Muitas mais reflexões se podem tecer à roda do tema dos recentes apagões ?
· Quem quererá retirar as devidas ilações ?

Aqui se deixa, então, um conjunto genérico de questões, longe de se pretender exaustivo, à reflexão de todos quantos se interessam por temas de energia e redes eléctricas, na esperança de que se aprenda alguma coisa com os erros alheios.


António Viriato - Lisboa, 1 de Outubro de 2003


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A Garantia de Abastecimento

João Santana – DN – 25.10.2003 (Transcrito por A.V.)

As restrições ao consumo de energia eléctrica (apagões) na Suécia e Dinamarca, na costa leste dos Estados Unidos e, mais recentemente, na Itália, tiveram uma grande repercussão em Espanha. Não é por acaso que tal sucede. Na verdade, neste Verão, a onda de calor fez disparar o consumo de energia eléctrica e o sistema operou nos seus limites, tendo mesmo ocorrido um apagão nas Ilhas Baleares.

No Inverno, de 17 de Dezembro de 2001 a Janeiro de 2002, ainda na memória dos espanhóis, aconteceu um problema grave no abastecimento de energia eléctrica em Espanha, devido a insuficiência de produção. O motivo que me leva a escrever, hoje, este artigo, deve-se a uma notícia publicada pelo diário espanhol La Razón, de 7/10/2003. Este jornal afirmava: «O secretário de Estado de Energia José Folgado reuniu-se recentemente com os conselheiros delegados das eléctricas espanholas para analisar a situação do sistema antes da chegada do frio.

O sector eléctrico acredita que existe o risco de corte de fornecimento com a chegada do frio, na situação de escassez de chuvas. Segundo fontes do sector, o operador do sistema, Rede Eléctrica de Espanha, revê os planos de emergência em colaboração com a restante indústria eléctrica. Assim, numa situação de crise a REE efectuará cortes parciais no fornecimento, de modo a evitar o colapso total do sistema, como aconteceu em Itália».

Sem dúvida, o descrito visa uma acção meritória: assegurar a estabilidade do sistema eléctrico espanhol. No entanto, é interessante salientar o seguinte: o sistema eléctrico espanhol que se reivindica, através do marketing, como um dos mais liberais da Europa, não prescinde do proteccionismo do Governo ou este não prescinde do intervencionismo sobre o sector. Enfim, talvez uma cumplicidade entre Governo e empresas !

Uma situação de crise energética em Espanha tem efeitos em Portugal. E este aspecto é agora ainda mais manifesto que no passado.

Com o desenvolvimento do Sistema Eléctrico Não Vinculado, muitos clientes empresariais, sobretudo de Média Tensão, saíram, ao longo de 2002, do Sistema Eléctrico Público e são, hoje, abastecidos, quase na sua globalidade, com energia importada de Espanha.

Uma parcela já significativa do consumo nacional! Numa situação de crise de abastecimento em Espanha, que acontece às suas exportações de energia eléctrica ?

A Ley Del Sector Eléctrico, aprovada pelas Cortes Espanholas em 1997, é explícita no n.º 3 do Artigo 13. «Las ventas de energia a otros países comunitarios podrán ser realizadas por los productores y comercializadores nacionales, previa comunicación al operador del sistema y autorización del Ministério de Industria y Energia, que podrá denergarla, exclusivamente, quando implique un riesgo cierto para el suministro nacional.»

Assim, numa situação de crise de abastecimento em Espanha é provável que sejam inibidas as exportações de Espanha para Portugal, como já aconteceu no passado. Com tal cenário, quem garante o abastecimento aos clientes não-vinculados portugueses ?

Numa situação de crise de produção de energia eléctrica em Portugal, será possível cortar a alimentação de determinados clientes ?

A acção de cortar pontualmente a alimentação de determinados clientes não se afigura possível na prática. E, assim, o bem público electricidade estará disponível, enquanto for possível, a todos os clientes, quer tenham pago ou não a garantia de abastecimento (ou de potência), o que não é razoável.

A solução para este problema exige que os fornecedores de electricidade assumam a responsabilidade da venda de energia eléctrica com garantia de abastecimento. Um fornecedor de electricidade não pode ser uma empresa de vão de escada, deve ter produção própria ou contratada, de modo a satisfazer os seus compromissos.

Uma nota final. Em Portugal, a gestão técnica do sistema eléctrico está sob a responsabilidade da Rede Eléctrica Nacional (REN). Esta empresa não pode, naturalmente, garantir o fornecimento com probabilidade de 100%.

No entanto, ela tem consciência das questões formuladas anteriormente e tem conduzido o sistema de modo que não haja apagões por insuficiência na produção, quer através de uma gestão cuidadosa dos recursos hídricos, quer procurando que todo o parque térmico esteja disponível no Inverno.

Mas volto a repetir, esta segurança do abastecimento é suportada só por uma parte do consumidores, clientes do Sistema Eléctrico Público, e inibe a própria REN de ganhos comerciais que obteria se tivesse uma postura mais comercial e, naturalmente, menos previdente! A segurança no fornecimento da electricidade, em Portugal, não é neste momento um problema grave, no entanto, há questões que urge resolver.

João Santana

22.6.04

 

Uma Vitória Merecida

No Domingo à noite, visitei e deixei a minha votação no fórum do jornal espanhol «El Mundo», sobre o Portugal-Espanha ( 1-0 ). Devo confessar que estava à espera de encontrar pior mau perder entre os nossos putativos irmãos.

Apesar de tudo, nos sítios que visitei - jornais «El Mundo» e «Marca» - era patente uma certa resignação com a deficiente campanha da sua equipa, ainda que não exaltassem a valia dos adversários. Creio que isto já seria exigir-lhes de mais. Em todo o caso, irá fazer-lhes bem esta retirada antecipada e, a nós, a vitória pode trazer-nos uma renovada confiança nas nossas capacidades desportivas e noutras também.

Achei de um significado simbólico a grande explosão de júbilo nacional após a vitória sobre a Espanha. Deve ter vindo do fundo dos tempos, da nossa recôndita memória colectiva, felizmente ainda não completamente apagada, apesar da forte contribuição negativa de um Ensino continuamente degradado, por sucessivas reformas, sem rigor, sem coerência e sem conteúdo, sobretudo nos escalões Primário e Secundário, onde se joga grande parte do nosso futuro como Nação moderna.

Impõe-se que aproveitemos este potencial energético, subitamente revelado, para outros objectivos mais típicos da afirmação das Nações nos tempos actuais.

Contudo, não devemos menosprezar estas manifestações populares de cariz patriótico, ainda que, aqui ou ali, um tanto desmioladas. Convém antes acarinhá-las e procurar dar-lhes um sentido mais adequado, mais alto ou mais nobre.

Outra coisa que me apraz registar é que, após um período de trinta anos de persistentes complexos, parece ter-se finalmente vencido a inibição do uso e devoção de símbolos nacionais.

Deixou, creio bem em definitivo, de ser suspeita de «sentimentos impuros» a expressão pública de exortações patrióticas ou nacionalistas, outra palavra ainda maldita entre alguns sectores da sociedade portuguesa.

Como se ser-se pela nossa Nação, implicasse ser-se contra as outras Nações...

Leva o seu tempo a superação de certos complexos, mas é forçoso fazer-se esse caminho.

Gutta cavat lapidem. Persistir. Navegar é preciso.

António Viriato – 23-06-2004

 

Gibraltar e Olivença

Junto aqui um artigo do Guardian que trata do caso de Gibraltar na sua interessante rubrica Assuntos Explicados/Issues Explained, como, por vezes, o Público também apresenta, embora com outro nome e sem a regularidade do jornal inglês, habitualmente alinhado numa tendência de esquerda moderada pró-trabalhista.

Nele podemos bem avaliar como nós outros, portugueses, temos menosprezado a solidez dos nossos direitos sobre Olivença, no litígio histórico que sustentamos com Espanha. Todos os argumentos usualmente invocados por aqueles de entre nós que nada querem fazer a este respeito se encontram ali rebatidos :

- os da antiguidade da questão
- os da legitimidade da ocupação
- os dos sentimentos da população actual do território
- os do reconhecimento da apropriação por parte do estado espoliado
- os dos referendos sobre a vontade da população
- os dos direitos individuais dos habitantes actuais
- os das boas relações entre parceiros europeus
- etc., etc., etc...

Sobre tudo isto, ainda acrescem, a nosso favor, as determinações do Tratado de Paris e do Congresso de Viena de 1815, na sequência da derrota definitiva de Napoleão, em Waterloo, depois do fogacho dos 100 dias que a evasão da ilha de Elba lhe permitiu por derradeira vez esboçar. Neste campo, não há equivalente no lado espanhol, que assinaram com a Inglaterra o Tratado de Paz de Utreque, em 1713, reconhecendo a soberania inglesa sobre o rochedo, não tendo aquele tratado nunca sido revogado por ulterior deliberação de qualquer instância internacional.

As diferenças que existem entre os dois casos a favor dos espanhóis e que contrastam com a nossa frouxa atitude residem essencialmente em determinados traços de carácter cuja nobreza temos de lhes reconhecer : a sua firmeza, a sua persistência, a sua coerência na defesa dos seus interesses, independentemente das circunstâncias, do tempo, dos regimes e dos protagonistas, que souberam sempre assumir o pleito como uma causa nacional, logo, permanentemente sustentada.

Mesmo não dispondo de força para fazer prevalecer aquilo que consideram a razão da sua causa, dela não abdicam e nela perseveram, apesar das circunstâncias adversas. Até que um dia, que parece aproximar-se, pelo que o texto do Guardian deixa perceber, a sua persistência acabará recompensada. Pressente-se que o próprio Reino Unido já se encontra muito perto das pretensões espanholas, pelo menos já admite a soberania partilhada.

Algumas vezes, a coerência paga o seu prémio e, se temos aprendido, nos últimos lustros, coisas interessantes, mesmo se não inéditas, é que não há disputas históricas entre estados definitivamente encerradas. Tudo depende da diuturna firmeza de que formos capazes, quando a razão está do nosso lado e esperar uma ocasião em que a conjuntura nos seja favorável.

Mas esta só poderá ser aproveitada se tiver havido da nossa parte uma atitude de permanente sustentação da causa, i.e., se tivermos feito aquilo que nos compete, por nossa própria determinação, sem esperar que outros venham sugerir-nos as posições a tomar. Só assim haverá quem esteja disposto a apoiar ou a reconhecer as nossas reivindicações.

Seria ocioso citar todos os casos semelhantes que nalgumas épocas foram considerados como arrumados em definitivo, mas, para só relembrar os mais próximos, no tempo e na afectividade, evoquemos os Estados Bálticos – Estónia, Letónia e Lituânia – os que resultaram do desmembramento da Federação Jugoslava – Eslovénia, Croácia, Macedónia, Bósnia, Sérvia, Montenegro, estes dois últimos ainda reagrupados numa nova federação, os que nasceram da ex-Checoslováquia – Repúblicas Checa e Eslovaqua –, os vários que reemergiram da ex-União Soviética, e o nosso sempre estimado Timor, que chegou a ser dado como perdido, por naturalmente dissolvido no grande mosaico insular da Indonésia, no dizer de um patriarca do Socialismo Português, num seu livro hoje desaparecido das livrarias e nunca reeditado, apesar do interesse público renovado. Vale a pena ponderar estes exemplos.


Julgo radicar aqui o fundamental das diferenças entre os casos de Gibraltar e de Olivença. Uns – os espanhóis - acham que têm razão e afirmam-na, sem tibieza, independentemente da crueza dos factos ; outros – os portugueses – desconhecem na sua maioria a razão que têm e, quando não é isso, inibem-se de a afirmar, por acanhamento ou por qualquer complexo eminentemente patológico difícil de entender.

Nem sequer por amor da verdade histórica são os portugueses capazes de assumir uma atitude digna a respeito de Olivença ou, para amenizar a dureza da sentença, não o têm sido até ao presente, salvo episódicos momentos no passado, por arrastamento de alguma figura de forte prestígio intelectual e cívico. Eis uma verdade amarga que temos de abrigar na nossa martirizada consciência patriótica, que parece incompatibilizada com os tempos modernos.

Entretanto e pesem as circunstâncias, deve continuar-se a divulgar a questão, sobretudo entre os portugueses, para que tomem conhecimento dela e do seu enquadramento histórico-legal e procurar que o assunto volte a ser integrado nas matérias de ensino na escolaridade obrigatória. Só assim se poderá manter viva a questão na memória cívica dos portugueses, habilitando-os a rejeitar e a desmontar as variadas mistificações patrocinadas pelos seus directos contendores.

Sabe-se como isto é difícil, quando já nem nas Universidades se aborda a questão, que se tornou quase num assunto de estima bizarra, quixotesca, diriam alguns, entre certos «eruditos» das coisas nacionais. Com a agravante de poderem estas instituições, as Universidades, principalmente as privadas, virem a cair na esfera dos interesses económicos de um qualquer grupo espanhol, não praticante das doutrinas que desaconselham as ópticas nacionalistas na condução dos negócios.

Haja em vista o que aconteceu com a reedição do Dicionário Enciclopédico da Língua Portuguesa de José Pedro Machado, em que o termo Olivença e a sua pequena nota explicativa desapareceram sem deixar rasto. Por sinal, averiguado depois, a actual editora do dicionário – D. Quixote – está hoje integrada num grande grupo editorial espanhol.

António Viriato
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Gibraltar

Almost 99% of voters in Gibraltar have shown their opposition to British plans for a joint-sovereignty deal with Spain. We look at a 300-year-old row
Mark Oliver, Sally Bolton and Derek Brown - Friday November 8, 2002 - The Guardian

Where is Gibraltar?

It is a stony outcrop at the southern end of the Iberian peninsula and linked to it by a narrow isthmus. It marks the meeting point of the Mediterranean sea and the Atlantic ocean.

Is it strategically important?

In historical terms, it was one of the great maritime prizes, commanding the straits that separate the Mediterranean from the Atlantic. These days, given the awesome weaponry of the world's great powers and the range of their navies, it is a great deal less important.

How did Britain acquire sovereignty of Gibraltar?

Gibraltar was captured in 1704 during the war of Spanish succession by a combined Anglo-Dutch fleet. British sovereignty was formalised in 1713 by the treaty of Utrecht. Gibraltar became a British colony in 1830. Spain has made several unsuccessful attempts to recapture Gibraltar: the Rock has endured 15 sieges. The most famous started in 1779 and lasted more than three years.
Spanish dictator General Franco closed the border with Gibraltar in the 1940s, and a second cut-off was imposed in the 60s.


How is Gibraltar ruled today?

The British governor's monopoly of legislative authority ended only in 1950, with the establishment of a legislative council. In 1963 Gibraltar's status came before the UN's special committee on decolonisation.
Spain tried to revive its claim to the Rock, accompanying it with increased restrictions at the border between Gibraltar and Spain, which culminated in the closure of the frontier and the end of direct communications with the mainland in 1969.
In the same year Britain granted Gibraltar a new constitution under which the functions of the legislative and city councils were merged and a Gibraltar House of Assembly was set up, establishing self-government in domestic matters.


Is Gibraltar part of the EU?

It is the only British Overseas Territory to be technically part of the union. But it is not a member: the UK is responsible for all external interests. Gibraltar is also excluded from the customs union, and from the common agricultural policy. Gibraltarians cannot vote in EU elections.


What is happening now?

Border delays and Madrid-imposed restrictions on telephone lines have not helped improve relations between Spain and Gibraltar. Spain claims full sovereignty over Gibraltar, home to 35,000 British citizens who vehemently oppose any change to their sovereignty. But the British government is eager to come to an agreement with Spain, a key EU partner.


Have the citizens of Gibraltar expressed a view on sovereignty?

On Thursday November 7 a referendum on the issue of joint sovereignty between Britain and Spain. Almost 99% of voters on the Rock gave an overwhelming thumbs down.

The poll was devised by Gibraltar's government and was not legally binding on Britain. Even before it happened it was dismissed as irrelevant by the British and Spanish governments.
But there is no doubt that the vote sends a clear message to politicians of the strength of feeling in Gibraltar against losing unalloyed British sovereignty.


What precipitated the referendum?

The prime minister, Tony Blair, and his Spanish counterpart, Jose Maria Aznar, have been keen to resolve the issue of Gibraltar, which has soured relations between the two countries for the last 300 years.
A dialogue on Gibraltar between Spain and Britain began around 18 months ago which revived the Brussels process started by Margaret Thatcher in 1984.
Then on June 12 2002, the foreign secretary, Jack Straw, announced to the Commons that both Britain and Spain had agreed that shared sovereignty was the best way forward after months of talks.
This galvanised opposition in Gibraltar. The plebiscite was called by Gibraltar's chief minister, Peter Caruana, in protest at Mr Straw's statement.
Almost the entire population of Gibraltar turned out for a mass pro-British demonstration in March, and Mr Straw was welcomed to the Rock by shouts of "traitor" and "Judas" from 2,000 protesters. The Gibraltarian government even took out a series of full-page advertisements in British newspapers, pleading for support from the British public.


Could Britain and Spain try to force a deal on Gibraltar?

The inhabitants of the two-and-a-quarter square mile Rock fear that the two governments will ignore their wishes, and that they will be forced to accept some degree of Spanish rule.
The day before this week's referendum, Mr Blair denied that any "grubby deal" had been hatched with Spain. But Gibraltarians believe the UK government secretly plans to "sell out" to Spain.
Before the demonstrations and referendum, the UK government appeared to believe that a concerted campaign could sway Gibraltarian opinion in favour of the deal. Sweeteners included the promise of a possible £35m in EU aid to Gibraltar if it accepted a sovereignty deal.


What was the response of No 10 to the vote?

Downing Street says talks will continue with Madrid over the future of Gibraltar but that no solution would be imposed on Gibraltarians against their will.
Mr Blair's official spokesman said key questions remained: "How do we ensure a more prosperous future for the people of Gibraltar? How do we resolve the real practical issues? And how do we work with the Spanish government to resolve those issues?"
But no date has been set for the next meeting between Mr Straw and his Spanish counterpart, Ana Palacio, according to the Foreign Office. Even before the referendum, the talks were reportedly in trouble. They may now be indefinitely delayed.


How did Spain react to the referendum?

Gustavo de Aristegui, Spain's ruling party's spokesman on foreign affairs, said the referendum had not been called by "competent authorities" and was "not legally binding."
Spain opposes the idea of putting the deal to the Gibraltarian people in an official referendum.


What were Britain and Spain discussing?

The structure of the agreement so far thrashed out by Britain and Spain is that of shared Anglo-Spanish sovereignty with a much greater degree of self-government by Gibraltar. Gibraltarians will be assured of cultural differences from Spaniards, including the primacy of the English language, and Mr Straw has promised that they will retain their British citizenship and a maximum amount of autonomy. All powers other than foreign affairs and defence will be handed over to Gibraltar - in the words of Mr Straw's sales pitch: "Greater self-government and practical benefits of a cooperative relationship with the kingdom of Spain and its people".


20.6.04

 

Portugal no Início do Século XXI – Compreender para Agir

O tema das relações entre as comunidades de imigrantes e as de acolhimento, aqui na Europa, em geral, e em Portugal, em particular, é de preocupação generalizada. Especial atenção, contudo, é devida para as dificuldades de integração experimentadas pelas comunidades de cultura islâmica, muito vulneráveis à influência da doutrinação fundamentalista, que explora todo o seu desconforto para a partir daí as voltar contra a cultura ocidental de matriz judaico-cristã.

Nos artigos anexos abordo dois casos que me parecem momentosos : relações entre comunidades e luso-espanholas.

Espero que, no primeiro artigo adiante, não ofenda nenhuma sensibilidade particular, porque não tenho sentimentos de ódio contra nenhuma cultura, embora não me agradem as que difundem sentimentos de intolerância, como acho que fazem os grupos radicais islâmicos, um pouco por todo lado onde têm oportunidade de exercer influência, espalhando a violência, promovendo o obscurantismo e segregando as mulheres do convívio social.

Não obstante, aprecio muitos aspectos da cultura muçulmana, em especial, na literatura, na arquitectura e na agricultura, sectores em que disponho de algum conhecimento acerca dos seus importantes contributos para a nossa civilização. Mas, justamente por isso, acho que não devemos contemporizar com os assomos intolerantes e obscurantistas das suas muito aguerridas seitas religiosas, de que as entidades oficiais dos países de origem, supostamente discordantes, não têm feito a necessária denúncia ou demarcação, com a consequente reprovação da actividade que estas seitas desenvolvem, para prejuízo de todos, mas, principalmente, dos próprios muçulmanos.

No segundo artigo que agrego e que não cheguei a publicar, procurei dar nota de um protesto, por actuação incorrecta da polícia espanhola com portugueses e, ao mesmo tempo, aproveitei um episódio de disputas territoriais entre Espanha e Marrocos, para relembrar um contencioso que Portugal mantém com o seu vizinho ibérico, que, se não está nas agendas políticas actuais, a verdade é que tão-pouco se pode considerar encerrado.

A meu ver, a falta de interesse dos nossos compatriotas pela Questão de Olivença deriva, em grande parte, do desconhecimento do facto histórico que lhe ficou associado : Guerra das Laranjas, em 1801, agravado pelo progressivo alheamento da população das matérias relacionadas com a Língua e a Cultura Portuguesas, de que a História Pátria é natural companheira e, bem assim, pela extrema importância que actualmente se atribui aos aspectos económico-materiais da chamada vida moderna.

A situação cultural do país parece-me muito grave, no que respeita ao cerne da nossa identidade. É hoje absolutamente imperioso fortalecer a cultura de raiz portuguesa na nossa população, que, progressivamente alienada pelo futebol e pela televisão, adere a qualquer idiotice cunhada no exterior, esquece a sua história, despreza o seu património e cai num desânimo e definhamento que, a prazo, mais curto do que o imaginável, pode condenar a nossa cultura à extinção, como aconteceu a outras no passado.

Chega a ser confrangedor ouvir a Rádio em Portugal : passa música de todo o lado, boa e má e quase nenhuma nossa, apesar de haver uma lei que impõe uma quota obrigatória – 40% - de música nacional. Ninguém se rala. Fica ao critério do locutor ? Haverá quem responda pelos critérios ?

Entra-se num estabelecimento comercial qualquer, com música ambiente, e que se ouve : música americana, inglesa, brasileira ou espanhola, quase nunca portuguesa. Será normal ? Em que lugar nos encontramos ? Como damos, assim, referências identitárias ao nosso povo ?

Já há conjuntos musicais de jovens que só se dignam cantar em inglês. Para atingir um público mais vasto, dizem. Seria interessante saber quantos discos vendem além-fronteiras estes grupos estranhamente portugueses.

Estamos a criar gerações de desmemoriados da Cultura Portuguesa, que, a continuarmos assim, ficará restringida aos centros académicos mais eruditos, à semelhança do que já se verifica com as disciplinas de Cultura Clássica, quando há hoje muito mais condições para promover a difusão de todos os conhecimentos, por multiplicação de meios, rapidez e eficácia da sua utilização. Mas é como se nada disto existisse. A grande massa da população nada disto aproveita ou apenas muito pouco, por desinteresse ou desleixo dos responsáveis pelas instituições incumbidas do dever de divulgar e defender a nossa cultura, que muito mais poderiam fazer, mesmo com os limitados recursos actuais.

É absolutamente indispensável criar o gosto, o orgulho de pertencer a uma matriz cultural - a portuguesa, latina, que entronca na da Antiguidade Clássica - que não desmerece em comparação com outras. Há sempre quem tenha feito mais e melhor, mas também o contrário. Por que nos havemos de sentir inferiorizados ? O processo histórico está cheio de vicissitudes : os que hoje vão na dianteira, já se encontraram na retaguarda. A História encerra muitas surpresas e os balanços nunca são definitivos. Só quem possuísse a chave mística do Universo poderia fazer juízos derradeiros. Isto já nem os mais religiosos se atrevem a proclamar, pelo menos os de cultura cristã.

Apesar dos investimentos sempre crescentes na Educação, os resultados permanecem muito aquém do desejado, essencialmente, por falta do sentido de rigor e de responsabilidade dos múltiplos dirigentes que, a todos os níveis, favorecem o culto da facilidade, pretendendo com tal atitude conquistar a simpatia popular. Pelo que se vê, esta atitude tem prosperado, mas a que custos, ninguém cura de avaliar.

Os jovens, na sua maioria, não aprendem com rigor, ganham aversão às matérias científicas mais trabalhosas, como a Matemática e a Física, mas também não adquirem formação consistente nas de cultura humanística, base de qualquer futura intervenção política, para além da necessária competência técnica. Basta observar o mau domínio generalizado do português, ignorando que qualquer língua culta tem gramática, e que só o convívio com os autores, antigos e modernos, que cultivaram com elevação o idioma, garante o seu domínio regular e, a agravar tudo isto, a ilusão de que todos falamos inglês, etc...

Estas e outras reflexões que aqui aflorei carecem de ser organizadas num todo coerente, com vista a um futuro artigo. Tenho, obviamente, a noção de que existem outros mais bem preparados nestas matérias, mas, por qualquer razão, não aparecem à luz do dia. Estarão certamente muito ocupados, em altos trabalhos científicos, nas Academias, nas Universidades... Porém, não intervêm civicamente e, assim, não exercem o seu magistério, abrindo campo a toda a sorte de atrevidos, ignorantes, por regra, para além do admissível, sobretudo, quando desempenham funções públicas de relevo, criando verdadeiros paradigmas invertidos.

Estamos assim a edificar um sistema social fortemente assimétrico, para lá do que é aceitável, não só no plano económico, mas também no cultural, em que, a par de uma alta especialização, grassa uma descomunal incultura, que debilita as sociedades, tornando-as presas fáceis de grupos de oportunistas e demagogos sem escrúpulos, que, infelizmente, vão fazendo carreira, a coberto da conivência de uns e da passividade de outros.

Estas e outras semelhantes reflexões vão surgindo por aqui e por ali. No entanto, o problema todo reside no que fazer para inverter a presente situação. Terá a sociedade portuguesa actual reserva suficiente de clarividência para compreender as consequências do apodrecimento cultural em que caiu e conseguirá ela reunir a energia indispensável para debelar as presentes ameaças ? Compreender para agir, deveria ser o nosso lema. De contrário, tudo permanecerá desconjuntado, disperso e, como tal, ineficaz para a desejada regeneração do corpo nacional, hoje tão necessária, como no já distante século xix, altura em que muito se discutiu este tema.


António Viriato - Lisboa - 07-01-2003


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Relações Luso-Espanholas

1- Os episódios recentes dos incidentes na fronteira com a polícia espanhola, juntamente com o ainda mais recente incidente do ilhéu da Salsa, Perejil ou Leila, como se preferir, na costa norte marroquina, veio reacender uma velha questão que alguns incautos julgavam já sepultada nas brumas da História ou mera reminiscência de excêntricos saudosistas dos Séculos das Nações, inexoravelmente, no caso português, deformados pela instrução nacionalista do velho Estado Novo, como gosta de sentenciar uma certa franja social, tida por moderna e bem pensante, com muito peso nas Universidades e na Comunicação.

2- Depois de tanto se apregoar a abolição das fronteiras e a livre circulação de pessoas e capitais, eis que uma simples anunciada manifestação de protesto dos desencantados da mundialização, numa cidade da Andaluzia, trouxe num ápice, e mesmo ultrapassou, o rigor dos controlos fronteiriços, com surpresa geral pela ostensiva brutalidade da polícia espanhola, que sumariamente intimidou tudo e todos, quais novos suzeranos de territórios e populações vizinhos. Note-se que o comportamento das autoridades espanholas extravasou completamente a lei que permite suspender o Acordo de Shengen e repor o controlo das fronteiras. Aquilo a que se assistiu foi a um encerramento arbitrário de fronteiras, puro e simples, com exibição gratuita de autoridade policial.

3- Compreende-se a intenção do Governo Português de desvalorizar os acontecimentos, procurando encerrar rapidamente o assunto, como se de um incómodo cadáver, saído de um qualquer sótão esconso, se tratasse. Para tanto, cumpria aceitar qualquer esboço de desculpa do Estado espanhol, tão logo este se manifestasse, como veio a suceder, para tranquilidade dos nossos governantes.

4- À parte algumas peripécias, a roçar o ridículo, como a das diversas acepções do verbo castelhano lamentar, tudo o que lhes subjaz é demasiado importante, para passar sem reparo. Por mais que certos espíritos despreocupados - inquestionavelmente pós-modernos – pretendam, o incidente foi grave e não vale a pena escondê-lo, nem escamoteá-lo, com a alusão a pretensas retaliações por parte das autoridades espanholas, por anteriores posições assumidas pelo Bloco de Esquerda, tradicionalmente apoiante da ETA.

5- A verdade é que a atitude da polícia espanhola tenderia sempre a ser a mesma, qualquer que fosse a família política do grupo de portugueses envolvido. Ainda não há muitos meses, outro grupo de cidadãos portugueses, quando distribuia publicamente um comunicado sobre a Questão de Olivença, salvo erro, em Cáceres, por ocasião de um encontro de dirigentes da União Europeia, foi também alvo de fortes intimidações, com cerco, revista e detenção, por parte das autoridades espanholas. Dir-se-ia que esta postura façanhuda faz parte do tratamento habitual das autoridades espanholas, para que os portugueses saibam com quem estão a lidar, independentemente do assunto em causa. Se não é isto que se deve entender, então é caso para dizer que escolhem uma via muito original para demonstrar os bons sentimentos evocados nos discursos oficiais das repetidas cimeiras luso-espanholas.

6- Convém não ser muito ingénuo e ir anotando as provas de amizade, sobretudo, relembrando as manobras mais ou menos evidentes de boicote a produtos portugueses, às vezes subtis, que conduzem invariavelmente ao mesmo resultado : eliminar ou neutralizar hipotéticos concorrentes no campo económico, não concedendo em Espanha as condições de igualdade que reclamam em Portugal, quando desejam entrar no nosso mercado. Compare-se, por exemplo, o alarido feito pela imprensa espanhola, quando ocorreu o caso do embargo, infelizmente inconsequente, por falta de firmeza do Governo Português, à aquisição de parte significativa do nosso sector bancário, por um grande grupo financeiro espanhol, com a forma como a mesma imprensa relatou a oposição do governo espanhol ao controlo da Hidro-Cantábrico pela EDP. Veja-se também como foram noticiados os casos dos incidentes na fronteira e o protagonizado pelos Amigos de Olivença, na cidade de Cáceres.

7- No ilhéu da Salsa, contudo, minúsculo rochedo a menos de 200 m da costa marroquina, a sofreguidão das autoridades espanholas em implantar-lhe a sua bandeira, como afirmação de soberania inequívoca, sobre algo que nem sequer oficialmente lhes está atribuído, não pode deixar de causar, sobretudo a Portugueses, um inevitável sentimento de repulsa, pela grosseira utilização de dois pesos e duas medidas, para abordar questões de natureza muito semelhante, como são as que envolvem as disputas sobre os territórios de Gibraltar, Olivença, Ceuta, Melilha e demais ilhéus junto à costa marroquina.

8- Brada aos céus a incoerência da posição espanhola, que exige dos seus contendores – Reino Unido, a propósito de Gibraltar – aquilo que ela própria nega, quando se invertem os papéis na disputa – Olivença, Ceuta e Melilha – com Portugal e Marrocos. Ou seja, a Espanha nega-se a cumprir com Portugal e Marrocos, aquilo que exige, em circunstâncias idênticas, porventura, com menos razão, ao Reino Unido, pela continuada ocupação de Gibraltar. A sua única coerência, neste diferendo, consiste em nunca ter desistido de reclamar a devolução de Gibraltar, ao contrário de Portugal, que, oficialmente, nos últimos quarenta anos, pouco ou nada terá feito pela retrocessão da Vila de Olivença e seu termo. Nem por isso, no entanto, os seus direitos prescreveram ou diminuiram.


António Viriato

Lisboa, 22 de Julho de 2002

 

Relações entre Comunidades – Novos Problemas Sociais

Nos conturbados tempos que vivemos, o tema das relações entre as comunidades de imigrantes e as de acolhimento surge, com frequência, nos meios de comunicação, mas, quase sempre, deve reconhecer-se, mal abordado, por variadíssimos motivos, à cabeça dos quais vêm os complexos dos Europeus, aprecialvelmente ainda dominados pela herança cultural marxista, que tendia a encarar as relações entre os povos - colonizadores e colonizados - como um outro aspecto da « universal luta de classes ».

Como premissa, aceitemos que, nas sociedades europeias actuais, os estrangeiros são necessários para reconstituir uma força de trabalho progressivamente enfraquecida pelas baixas taxas de natalidade registadas em todo o espaço da União Europeia, U.E., logo, também em Portugal, que, por comodidade, pontualmente individualizarei, sendo certo que este problema é europeu e só como tal pode ser resolvido ou, pelo menos, significativamente combatido.

Desde logo se nos apresenta a primeira e fundamental questão : por que razão nós outros - Europeus - não fomentamos políticas de natalidade, criando incentivos e apoios múltiplos aos casais jovens para que possam ter mais filhos, favorecendo as famílias numerosas, sobretudo as de menores recursos económicos, mas também as outras, de formas diversas, mas igualmente necessárias ? Por um lado, combateríamos uma carência actual, por outro, fortaleceríamos, em vários sentidos, as nossas próprias comunidades.

Na situação presente, chegou-se a um verdadeiro absurdo, não só quando não se criam incentivos à constituição de famílias mais numerosas, como, pior do que isso, ainda se penaliza a sua formação, contrariando irracionalmente uma função essencial em qualquer comunidade : a sua reprodução.

Neste particular contexto, por razão acrescida, a maternidade deveria ser encarada pela comunidade como um bem e não como um encargo, adoptando aquela as políticas adequadas à sua manutenção. Acresce que as famílias são células insubstituíveis na constituição das sociedades, onde se inicia toda a formação intelectual e moral e se geram os primeiros laços de amor e solidariedade que, mais tarde, se estenderão para o seu exterior.

Cabe aqui referir que isto não significa que todos sejam obrigados a constituir a tradicional forma de família, ou o mesmo tipo de família, nada disso, mas tão-somente, que se reconheça a sua importância e se ajudem aqueles que querem continuar a constitui-la. Num pequeno parêntesis, precisarei que, embora não aprovando a sua repressão, não considero famílias quaisquer ligações de carácter mais ou menos efémero, muito menos as baseadas em uniões do mesmo género sexual. Podem até estas uniões vir a gerar entre si fortes laços de amor ou de solidariedade, mas não são a mesma coisa. Tolera-se, como algo que não correu bem, mas não se recomenda, nem tão-pouco se deve equipará-las ao modelo de família tradicional, que possibilitou todo o nosso percurso civilizacional, por muito criticável que este nos pareça.

Eis, logo aqui, uma clara contradição das actuais sociedades ocidentais : reprimir a sua auto-reprodução ou, no mínimo, dificultá-la e, depois, lamentar a sua falta, justificando assim a entrada de grossos contingentes de povos de outros continentes, outras culturas, com enormes dificuldades de integração, sujeitos a toda a espécie de exploração, por parte de indivíduos sem escrúpulos, impropriamente designados empresários.

Estas dificuldades de integração derivam, a meu ver, de vários factores, tanto mais importantes quanto mais eles se acham acumulados : diferenças de raça, cultura, religião, língua e costumes.

As diferenças rácicas são sempre potencialmente problemáticas, dados os mitos e os preconceitos ancestrais existentes, não só entre os brancos, como entre os restantes grupos : negros, amarelos e suas combinações.

A convivência pacífica entre as diversas raças, nos regimes democráticos, é, obviamente, possível, mas requer tempo, paciência e investimento cultural, para que se desvaneçam mitos e preconceitos profundamente enraizados, muitos deles assentes em falsos argumentos científicos.

Já as diferenças culturais estabelecem barreiras mais difíceis de transpor e, ainda mais, quando se fazem acompanhar das religiosas e linguísticas. Todos sabemos como até entre comunidades culturalmente bastante próximas e de convivência muito antiga nascem conflitos persistentes, de difícil solução, às vezes só pelo uso preferencial de um idioma.

As diferenças religiosas contêm igualmente um elevado potencial de eventuais conflitos. Basta pensar nas guerras que os próprios cristãos levantaram entre si, desde o cisma de Lutero até aos dias de hoje, como acontece ainda na Irlanda do Norte, tão comunitária e civilizada como nós.

No caso dos imigrantes vindos de culturas de religião muçulmana, as dificuldades de convivência com as comunidades europeias ampliam-se naturalmente.

O Islão encontra-se culturalmente muito distante de nós. Não tendo nunca feito, de forma completa, a separação entre o Estado e a Religião, estas duas entidades vivem em grande promiscuidade nas suas sociedades. Parece também não ter resolvido o contencioso histórico que manteve com a Cristandade, continuando a alimentar ressentimentos e mesmo ódio, perante as desigualdades económicas actuais, cuja responsabilidade invariavelmente atribui ao Ocidente, esquecendo que, em grande parte, elas derivam da sua própria cultura, da falta de democracia das suas sociedades e dos poderes corruptos e totalitários que têm caracterizado negativamente todo o Islão.

Em geral, o Islão mantém o povo sob forte alienação, pretensamente apresentada como convicção religiosa, que nem a episódica simpatia de alguns dos seus estados pela doutrina marxista de inspiração soviética conseguiu extirpar. Lembremo-nos do Egipto de Nasser, da Líbia do inefável Kadafi, dos Partidos Socialistas irmãos da Síria e do Iraque, liderados por conceituados tiranos, como Hafez Al Assad e Sadam Hussein, todos eles exaltando, quando lhes conveio, a paixão religiosa, a qual, não esqueçamos, pode sempre desembocar numa legitimada guerra santa, tal como nos distantes séculos do despontar do domínio muçulmano, cuja primeira fúria avassaladora, aqui na Europa, só foi travada em Poitiers pelo valente Martel. Outras se lhe seguiram, mais tarde, desencadeadas pelos Turcos Otomanos, que, por mais de uma vez, cercaram Viena. Convém não esquecer...

A mentalidade islâmica, mais do que qualquer outra na actualidade, é muito dada a fanatismos, não preza a tolerância, que toma por fraqueza e não consegue libertar-se dos populismos heróicos de cariz tirânico. Até hoje, não ergueu nenhum sistema democrático, mesmo mitigado, e canaliza toda a sua frustração para a crítica ou, mais acertadamente, para o ódio ao Ocidente : América e União Europeia, sobretudo.

Acresce ainda, no caso do Islão, o sempre vivo problema do recrudescimento do fundamentalismo religioso, alimentado por inúmeras seitas, que tanto pode conduzir a guerras, clássicas ou de guerrilha, como à justificação de acções de carácter terrorista, de que não faltam exemplos, antigos e recentes.

Entre os Europeus, apesar de todo o processo histórico já decorrido, subsistem muitos complexos em lidar com estes povos, como já referi, principalmente em consequência da herança cultural marxista, que acentuou e explorou ad nauseam algum sentimento próprio de culpa, forjado nos tempos do colonialismo, que, afinal, visto à luz actual, comparativamente a outros processos, não terá sido tão nefasto quanto se jurava.

Na verdade, passados cerca de cinquenta anos das primeiras descolonizações europeias, mesmo das ditas mais civilizadas e benignas, o progresso dos países delas emergentes é muito reduzido : em regra, quando há crescimento económico, não há democracia e, em muitos deles, nem uma coisa nem outra, registando-se mesmo retrocessos nalguns aspectos civilizacionais. Tudo isto agravado pela formação de oligarquias despóticas, corruptas, que nenhum conforto trouxeram aos seus povos, enfim « libertados do jugo colonialista », para usar uma expressão muito em voga nos inocentes anos de brasa.

Tendo em conta este complicado contexto, a U.E. deveria aplicar com rigor uma política comum relativamente à emigração, já que, por miopia ou persistência de tais complexos - dir-se-iam inultrapassáveis - não se mostra disposta a incentivar o seu próprio crescimento demográfico.

Ainda não há muito, um alto funcionário de Bruxelas menosprezava o presente défice demográfico da U.E., ao mesmo tempo que nos tranquilizava com a perspectiva da adesão da Turquia, que considerava a grande reserva demográfica de toda a Europa. Aonde pode levar-nos a cegueira ideológica !

Como parte dessa política comum, estaria, sem dúvida, o estabelecimento de quotas de entradas de imigrantes, por país, tendo em conta as suas necessidades específicas em cada sector laboral, com destinos de fixação previamente determinados, responsabilização de alojamento e enquadramento social por parte das autoridades, incluindo, perante estas, o compromisso dos candidatos quanto à aprendizagem das línguas nacionais e quanto ao respeito da cultura e instituições das comunidades de acolhimento.

Também a atribuição de nacionalidade deveria assentar num efectivo desejo do candidato, com prova de adesão à cultura do país concedente da cidadania, segundo o princípio de que não deve dar-se a cidadania a quem não manifeste adesão aos valores culturais e às instituições que essa comunidade laboriosamente edificou ao longo de séculos. Para os que não revelassem esse desejo, bastaria a concessão de autorização ordinária de residência, periodicamente renovada. De contrário, facultar-se-á uma mera comercialização oportunista de cidadanias.

Nem sequer se pode dizer que haja aqui verdadeira novidade. Há muitos anos que democracias consolidadas - Suíça, Canadá, Austrália, E.U.A - instituiram e aplicam princípios idênticos, com proveito geral.

No próprio interesse das comunidades imigrantes, é preciso que os estados da U.E. se desembaracem definitivamente de complexos, hoje completamente injustificados, se alguma vez não o foram, e, de certa maneira, forcem a integração social dos emigrantes. Estes, por seu turno, têm também de desenvolver esforços de integração, para se sentirem bem nas comunidades de acolhimento, e não devem acirrar as diferenças, que, só paulatinamente se tornam assimiláveis, independentemente da predisposição inicial. Aqui reside a eventual chave do êxito de uma política de integração. É claro que para tal desiderato será imperioso ter a funcionar certas instituições, por natureza, de vocação normativa : Família, Escola, Forças Armadas. Pelo menos estas...

Mesmo em sociedades dotadas de maior coesão política e que afirmam sem tibieza a sua cultura comum, estes problemas aparecem e se mostram de difícil resolução.

Como sabemos, no passado, todo o emigrante que fosse para a América ambicionava tornar-se num cidadão americano, orgulhoso dessa condição, e o Estado reforçava esse propósito. Nisto se baseava o Sonho Americano : a aquisição de um estatuto comum, a cidadania americana, com a sua correspondente mentalidade, por cima das especificidades culturais das nacionalidades de origem.

Infelizmente, o multiculturalismo exacerbado, às vezes ingenuamente encorajado por sectores das sociedades de acolhimento, mesmo nos E.U.A., veio dificultar este objectivo, com a fragmentação progressiva das comunidades, fonte permanente de conflitos, que quebram solidariedades, aumentam a desconfiança e promovem a segregação social.

Todas estas medidas me parecem de mero bom senso. Não entendo porque se tornam de tão difícil aplicação na U.E., nem, muito menos, percebo porque têm de ser conotadas com determinados quadrantes políticos. De forma abusiva, grande parte da comunicação social identifica-os com a Direita ou a Extrema-Direita. Mas, o próprio governo trabalhista inglês de Tony Blair tem em preparação, ou já mesmo aplica, regras semelhantes de aquisição de nacionalidade, sem perceptível contestação social. Neste aspecto, a terceira via está a agir bem, mostrando-se menos complexada e mais capaz de ver os problemas sem lunetas ideológicas.

Recentemente também, quer o Governo, por meio de iniciativa legislativa, quer o Presidente da República, no seu discurso no Dia de Portugal, deram sinais de alguma mudança de atitude, no bom sentido, relativamente a este momentoso problema. Esperemos que esses sinais, ainda que ténues e já atrasados no tempo, se confirmem e se traduzam em actos concretos, sem recuos nem hesitações.

O futuro, mais ou menos próximo, vai obrigar-nos a enfrentar estes novos problemas sociais, que certamente não se resolvem fingindo que eles não existem, ou insultando quem os traz a debate. A Esquerda, em geral, talvez com a excepção de Blair, reage a estes assuntos com falta de lucidez, debita antigos chavões e assim se sente feliz, julgando cumprir a sua missão ideológica. Mas esta atitude não resolve nada, apenas vai adiando e tornando cada vez mais difícil a resolução destes problemas de tipo novo, com o evidente perigo de poder lançar sociedades tradicionalmente tolerantes nos braços de movimentos políticos crescentemente radicalizados, criando um enorme potencial de conflito, que, compreensivelmente, causa uma difusa apreensão.

O que se passou recentemente em França e na Holanda deve fazer-nos pensar. Será que existem quase 6 milhões de fascistas na pátria dos direitos do homem, duzentos anos depois da Revolução que os consagrou ? E que dizer da democrática e sempre tolerante Holanda ? Estará também em vias de se « fascizar » ? Ou será que estamos perante sintomas de outro mal, mais profundo, latente, para o qual as velhas diatribes de nada servem ?


Lisboa, 20 de Junho de 2002

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